12.7.04

Cinco Segundos - Capítulo X: Post-Mortem

...E estava ali agora, falando para ninguém. Ouvia-os e sentia-os, percorrendo o seu cérebro mil vezes por mil caminhos diferentes, procurando o segredo...
"Estará o futuro escrito em algum lado?", pensou Rickert. "Pobre de mim por conseguir lê-lo às vezes..."
Onde estariam hoje todas as pessoas que tinha conhecido e com quem tinha vivido? Agora não sentia o tempo, só os sentia a eles.
Podia ser Verão lá fora como podia ser Inverno, tanto fazia; nem sabia sequer se "lá fora" ainda teria algum significado para ele. Limitava-se a estar ali, cumprindo a função de cobaia para experiências acerca do futuro. "O meu, confesso que não o descortino," continuou. "Daqui tudo me parece igual numa extensão infinita, do futuro ao passado e com viagem de volta, nublado, obscuro..."
"Aqui é sempre noite..."

Tempo e Paciência...

Arif Kalter nunca soube porque falhara o seu sistema de renovação de ar. As toxinas e as bactérias que este produziu trouxeram-lhe a morte rapidamente, uma morte horrível para além de todas as possibilidades de ressuscitação. Restou um cadáver irreconhecível, coberto de pústulas nojentas de mil doenças e pragas desenvolvidas à velocidade da luz.

Tempo e Paciência...

Quando o autómato de limpeza começou a falar para Colbert MacMahoney através do seu sintetizador de voz cheio de limitações, apenas despertou espanto e curiosidade da sua parte.
Quando as frases começaram a fazer sentido e o espigão multi-usos se cravou no seu peito e o ácido de limpeza lhe destruiu o rosto, o medo não se chegou a instalar. A morte sobreveio mais depressa...

Tempo e Paciência...

Emílio Sanchez não teve tempo de se furtar ao choque. A cabeça, solta do corpo atarracado pela pancada do transporte automático, rebolou pela rua suja de olhos abertos de espanto, procurando compreender o que lhe acontecera. Era evidentemente tarde demais.
Fora apenas mais um acidente numa rua igual a tantas outras. Podia ser uma rua de qualquer sítio do mundo.

Tempo e Paciência...

O gerador de hipnose por impulsos de luz do laboratório de Abe Townsend começou a funcionar anormalmente.
"Maldita máquina!", resmungou o velho. Quando a tentava desligar qualquer coisa aconteceu: os olhos abriram-se muito, e na mente vazia de tudo só uma ideia ficou. Abraham Townsend dirigiu-se resoluto ao armário junto à entrada e retirou a Jeggler do seu interior. Depois meteu o cano largo na boca e disparou.

Tempo e Paciência...

Kirl Takashi-Coltrane gozava os prazeres da lâmpada solar que instalara no seu novo apartamento. Era o modelo mais recente, um pequeno sol inofensivo dentro de casa. Sentia-se cansada, a noitada deixara-a arrasada. Adormeceu acariciada pelos raios mornos e não notou quando a temperatura começou a subir.
- Meu Deus, que calor! – quando tentou levantar-se do braseiro em que se tornara a sua espreguiçadeira não o conseguiu. Alguém lhe enrolara uma corda à volta e prendera a cadeira ao chão. Kay tentou gritar na sala de descanso insonorizada. Lá ao canto o pequeno autómato doméstico (do modelo mais recente) desligou-se. Os seus olhos electrónicos não viram a dona morrer queimada sob a luz impiedosa do pequeno sol.

Tempo e Paciência, a chave do Universo..., pensou mais uma vez Rickert. Todo aquele tempo (dois anos, segundo o computador a que estava conectado) não fora perdido. Aprendera a usar os instrumentos a que estava ligado em vez de ser usado por eles. Aprendera muito naqueles dois anos...
Sabia como utilizar os sistemas informáticos interligados em rede por todo o mundo para obter as informações que queria, ou para atingir os seus inimigos.
Tempo e Paciência, um pouco mais de paciência enquanto preparava todos os detalhes. Entretanto não se esquecera dos amigos: todos eles tinham agora uma boa situação financeira graças a ele. Conseguira também enviar pistas falsas para os grabbers e evitar que qualquer deles fosse capturado. Era uma espécie de anjo da guarda bio-electrónico.
Em todo esse tempo de meditação e aprendizagem nunca esquecera o seu objectivo último. Eles continuavam com os esforços inúteis para compreender o seu cérebro, pobres idiotas! Teriam o que mereciam, já não faltava muito.
O corpo de Rickert, inerte sobre a mesa branca, coberto de fios e sondas, de fluidos multicolores e aparelhos que zumbiam, vivia a sua vida interior. Tinha de lhes agradecer por o terem mantido em excelentes condições.
Tempo e Paciência.
O Tempo da Meditação já passara há muito.
O Tempo da Aprendizagem já começara há muito.
O Tempo da Vingança tinha acabado agora.
O Tempo da Libertação estava quase a chegar...

FIM